quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Ensino-aprendizagem: reflexão para a atualização de um Projeto Pedagógico

RESUMO
Esta reflexão visou a dar o primeiro passo para a atualização do Projeto Pedagógico do Curso de Engenharia de Produção da UFMG.

1. Começando pelo Perfil do Egresso
As exigências iniciais do MEC para abrir o processo de avaliação dos cursos de engenharia em 2008 começa pela definição do perfil do curso projetado para alcançar o perfil do egresso. Esse perfil do egresso, embora seja legalmente estabelecido, pode ser sintetizado de várias formas equivalentes, a partir de diversas fontes.

Jacques Delors, num relatório para a UNESCO (Highlights in Education, UNESCO, 1994) sobre os pilares fundamentais da educação para o século XXI, identificou um perfil composto de quatro pilares, todos eles suportados por uma base única: aprender. De acordo com esse relatório, o sistema educacional deveria preparar pessoas capazes de aprender a: ser, conviver, fazer e aprender. E isso por toda a vida, independente da delimitação dos contornos epistêmicos de uma profissão.

O projeto Perfil do Engenheiro no Século XXI, realizado no início da década de 1990, num convênio CONFEA/CREA’s/ABENGE, identificou um perfil genérico que inclui: iniciativa, criatividade, capacidade de trabalho em equipe, capacidade de comunicação oral, verbal e gráfica, além do uso rotineiro das ferramentas da informática. Esse perfil deveria ser atingido a partir de uma forte base em ciências exatas e ciências da engenharia, com acréscimo de temas das ciências humanas. Um núcleo profissional típico de cada engenharia seria responsável pela especificidade do profissional engenheiro, pelo menos nos primeiros anos do exercício profissional, pois os levantamentos feitos à época demonstraram que o engenheiro caminha inexoravelmente para compreender e dirigir processos produtivos cada vez mais abrangentes, ultrapassando a função puramente técnica.

Segundo dados do IBGE, apenas 32% dos engenheiros com 23 anos de idade alegam exercer atividades típicas do curso de engenharia no Brasil. Se, por outro lado, esses engenheiros tiverem aprendido a aprender, poderão usar essa habilidade em qualquer atividade e, assim, justificar o investimento em tempo e dinheiro feito ao cursar engenharia. Contudo, é preciso questionar o processo de ensino-aprendizagem, pois há fortes indícios de que o sistema de educação formal concentra-se mais no ensino, sob a perspectiva do professor, sem questionar o processo de aprendizagem do aluno.

2. Alguns Desabafos sobre a Tendência da Escola de Ensinar sem Compreender o Processo de Aprendizagem
Tony Buzan, autor do livro Use Your Head, afirmou: “Na escola, passei milhares de horas aprendendo matemática. Milhares de horas aprendendo linguagem e literatura. Milhares de horas em ciências, geografia e história. Então me perguntei: (...) Quantas horas aprendendo como aprender? Quantas horas aprendendo como o meu cérebro funciona? Quantas horas aprendendo sobre a natureza do meu pensamento e como ele afeta meu corpo? E a resposta foi: nenhuma, nenhuma, nenhuma, nenhuma. Em outras palavras, na verdade, não me ensinaram a usar minha cabeça”.

Einstein, no livro Notas Autobiográficas, afirmou que “Na verdade, é quase um milagre que os métodos modernos de instrução não tenham exterminado completamente a sagrada sede de saber, pois essa planta frágil da curiosidade científica necessita, além de estímulo, especialmente liberdade; sem ela, fenece e morre. É um grave erro supor que a satisfação de observar e pesquisar pode ser promovida por meio da coerção e da noção do dever. Muito ao contrário, acredito que seria possível eliminar por completo a voracidade de um animal predatório obrigando-o, à força, a se alimentar continuamente, mesmo quando não tem fome, especialmente se o alimento usado para a coerção for escolhido para isso.”

A crítica de Einstein à escola é reforçada por Feynmen (FEINMEN, Richard. Are You Joking Mr. Feynmen?) e por Schenberg (SCHENBER, Mário. Formação da Mentalidade Científica. Disponível em: digite o título no Google). O primeiro, Prêmio Nobel de Física de 1965, centra suas críticas na baixa qualidade do material de ensino e no despreparo do professor para ensinar. O segundo, um brasileiro parceiro de pesquisa de vários ganhadores do Prêmio Nobel em Física e Química, ressalta que o aluno é submetido a condições agressivas incompatíveis com a formação de uma mentalidade científica.

Babette e colaboradores afirmaram sua posição crítica já no título do livro: “Cuidado, Escola!”. O livro, apresentado pelo educador brasileiro Paulo Freire, faz uma reflexão crítica sobre a escola apresentando-a como “um mundo separado da vida, reprodutor de desigualdades socio-culturais, onde se aprende a dependência”. O aluno seria obrigado a usar o seu cérebro como depósito de informações inúteis para a vida, ao invés de ser educado para usá-lo de forma autônoma na solução de problemas reais.

Os questionamentos anteriores alertam sobre a necessidade de que os alunos sejam consultados sobre como aprendem, e como têm sido tratados pela escola. É provável que esse tipo de consulta identifique boas oportunidades para se fazer realizar o potencial de aprendizagem dos estudantes de engenharia, tornando-os não só mais produtivos, como também mais realizados como seres humanos.

3. Algumas Propostas de Ação
Paulo Freire, em diversas obras, propôs que se deve partir sempre da realidade, levando o aluno a aprender a pensar e a agir para resolver os problemas que afetam a sua existência, num processo de reflexão, julgamento e ação. Freire assumiu, implicitamente, que o desenvolvimento humano se dá pela solução de problemas em equipe, assim como preconizaram o psicólogo humanista Abraham Maslow e a escola de administração japonesa, centrada na prática efetiva do método científico por todos, numa forma instrumental apropriada.

Dryden & Vos, no livro Revolucionando o Aprendizado, constataram uma real preocupação com a questão ensino/aprendizagem em vários países, tendo feito uma espécie de mapa das melhores experiências mundiais sobre o tema. Tendo como referência principal o livro destes autores, além de outras fontes, podem-se destacar os seguintes aspectos que estão orientando a revolução da aprendizagem de vanguarda no mundo atualmente:

• a necessidade de selecionar um núcleo central de conhecimentos que permita lidar com os “conhecimentos” de utilidade transitória;

• reconhecimento de que existem diferentes tipos de inteligências, com indícios de que se originam em partes diferentes do cérebro e que precisam ser ativados;

• reconhecimento de que a emoção exerce papel fundamental na aprendizagem;

• a necessidade de integrar visão de futuro, imagens mentais, paixão e ação para se atingirem metas significativas;

• a constatação de que é preciso aprender fazendo, e que o conhecimento é construído e reconstruído o tempo todo, de forma coletiva;

• a ênfase na aprendizagem, em vez de ênfase no ensino;

• a valorização das experiências de vida da pessoa, bem como a indução do máximo de iniciativa pessoal para a criação do autodidata;

• a constatação de que existem diferentes estratégias de aprendizagem que precisam ser descobertas e respeitadas.

É provável que, com o uso da tecnologia da informação, e levando-se em conta as críticas e sugestões relatadas anteriormente, a aprendizagem possa ser acelerada, além de tornar-se um atividade agradável e por si mesma recompensadora. Para tal é necessário que cada professor se transforme, também, num pesquisador do processo ensino-aprendizagem, indo além de meras leituras a esse respeito.

4. Algumas Fontes de Aprendizagem sobre o Aprender a Aprender
A proposta clássica a respeito teve origem em Sócrates, com a sua maiêutica. Ele defendeu a idéia de que o conhecimento está gravado no interior das pessoas e que o papel do professor seria fazer o parto desse conhecimento, trazendo-o à luz. Essa forma de pensar, contudo, foi esquecida e distorcida até que se consolidou, na Idade Média, o pensamento escolástico, centrado na mera repetição das lições de Platão e de Aristóteles, discípulos de Sócrates.

O pensamento escolástico foi combatido por Descartes (1596 –1650) e por Francis Bacon (1561 – 1626), este considerado responsável pelo nascimento do empreendimento científico em larga escala. Coube, entretanto, a Galileu Galilei (1564 – 1642) e Newton (1643 – 1727) a realização de pesquisas fundamentais sobre a natureza e, ao mesmo tempo, a consolidação de um método de aprender a aprender, ou o método científico (consulte-se a coleção Os Pensadores, com títulos equivalentes aos nomes das personalidades respectivas).

O engenheiro Taylor (TAYLOR, F. Winslow. Princípios de Administração Científica.) notabilizou-se por ter revolucionado a produtividade no século XX a partir da aplicação do método científico. Para ele, o aprender a aprender devia ser aplicado diariamente no processo produtivo, integrando o homem ao sistema técnico. O método que ele preconizava era o mesmo defendido por Newton e Galileu Galilei, porém aplicado ao processo produtivo por especialistas.

Com Einstein, entre outros, (HOLTON, Gerald. A Imaginação Científica.) consolidou-se o método científico na sua versão mais ampla, integrando o uso da lógica e da intuição, além da sensibilidade humana. Einstein afirmou ter visto mais longe do que Newton por estar nos seus ombros, tendo destacado que, os que se dispuserem a aprender com ele devem dedicar-se mais à compreensão de sua forma de pensar do que concentrar-se naquilo que ele fez como cientista (EINSTEIN, Albert. Nota Autobiográficas).

O Sistema Toyota de Produção, representante típico do modelo de gestão holístico que se consolidou a partir da Segunda Guerra Mundial, apropriou-se do conceito de aprender a aprender fazendo, sob um perspectiva do sistema produtivo integrado. Nesse modelo percebe-se, além da influência dos cientistas anteriores, uma aplicação prática do zenbudismo como método de interagir com a realidade. Na Toyota, argumenta-se que todo trabalhador é cientista/engenheiro/gerente, e que pode aprender com a forma de pensar dos cientistas, desde que essa seja instrumentalizada para uso de acordo com a capacidade do trabalhador.

Entretanto, mesmo no caso da Toyota, centrado na prática, pressupõe-se que os trabalhadores receberam a sua formação básica na escola. E isso exige que se analisem as teorias dos principais autores que se dedicaram a compreender o processo de formação da mente apta a aprender, a partir da escola. A esse respeito, destacam-se, entre outros, três nomes: Comenius (1592 –1670), John Dewey (1859 – 1952) e Jean Piaget (1896 – 1980).

Comenius, com sua obra clássica Didática Magna, inaugurou a moderna didática. Ele propunha seguir o exemplo da natureza no processo de ensino, de forma que o aprendiz evoluísse naturalmente, sem traumas. Na sua opinião, um professor devidamente preparado, com materiais didáticos apropriados e compreendendo a forma como o estudante aprende, poderia ensinar a centenas de alunos por vez, usando monitores adequadamente preparados para retransmitir as lições do mestre. Atualmente, com o avanço da informática, e com a criação de plataformas de ensino-aprendizagem, como o Teleduc, um professor bem preparado poderia atingir milhões de estudantes, de acordo com a filosofia de ensino-aprendizagem de Comenius.

John Dewey, dando seqüência á forma de pensar de Comenius, consolidou a versão do ensino centrado na prática, tendo influenciado o padrão americano de aprender a aprender fazendo a partir da década de 1920, nos Estados Unidos. Dewey iniciou o movimento da Nova Escola, defendido no Brasil por Anísio Teixeira, mas não implementado em larga escala por razões políticas. Sua proposta continua válida e aplicada, em parte, de forma tácita, nas universidades que envolvem os seus alunos no tripé ensino-pesquisa-extensão. Sua filosofia de ensino consolida-se, atualmente, com o envolvimento do aluno em estágios curriculares e monografias de final de curso.

Jean Piaget, com o seu construtivismo, procurou compreender não apenas a questão do ensino-aprendizagem, mas o desenvolvimento integral do ser humano. Para ele, o conhecimento se constrói enquanto se vive, ao longo de toda a vida. Ele defendeu que o processo de crescimento humano coincide com o processo de aprendizagem que, por sua vez, passa pela assimilação do existente, pela sua acomodação no organismo vivo e, em seguida, a equilibração com o meio, buscando novas adaptações na forma de um ciclo que se repete por toda a vida.

5. Conclusão
É necessário que se mude o foco do ensinar, centrado no professor, para o aprender a aprender, centrado no aluno. A dinâmica do conhecimento produtivo, envolvendo a criação e a difusão do conhecimento, precisa ser dominada sob uma perspectiva integrada, técnica e humana, mas também sob a perspectiva da compreensão da cadeia produtiva, num contexto de responsabilidade socio-ambiental. Viver, sob essa perspectiva, eqüivale a crescer em conhecimento, sob a orientação de uma ética orientada para a construção da vida saudável.

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